Poderia explicar-nos como a vocação sacerdotal surgiu na sua vida?
Eu venho de uma família católica. Meus pais me ensinaram a rezar, escolheram colégios católicos para a minha formação e íamos juntos à Missa aos domingos. Na adolescência comecei a distanciar-me um pouco da fé. A Missa, que eu não entendia bem, parecia uma obrigação incômoda. De todos os modos, sempre conservei uma certa admiração pelo exemplo de atitude religiosa dos meus pais e avós. Pouco antes de entrar na universidade conheci o Opus Dei, através do Centro Universitário da Tijuca, no Rio de Janeiro. Fiquei muito impressionado com o ambiente do lugar, pela alegria, pela seriedade profissional e pelo alto nível humano e intelectual. Interessaram-me muito as atividades de formação cristã que se davam, e me surpreendeu a naturalidade com que as pessoas participavam dos meios de formação e rezavam. Tudo isso me fez refletir sobre a minha vida e sobre a minha fé. A minha vocação ao Opus Dei surgiu em um momento em que me interessei por uma nova garota. Falando com Deus sobre ela na minha oração, surgiu-me a questão: "E se Deus me chama para que me entregue totalmente a Ele?". Até então, não tinha considerado essa possibilidade mais do que como algo hipotético e distante. A partir desse momento não podia tirar essa idéia da cabeça. Conversando com um sacerdote sobre isso, ele me aconselhou a tratar esse ponto com calma na oração e a estar aberto à vontade de Deus. A princípio, a possibilidade de que Deus me pedisse essa entrega me parecia algo doloroso, uma grande renúncia. Depois, quando finalmente me convenci de que era esse o meu caminho e lhe disse que sim, pude ver como eu estava enganado. Entendi que é pura realidade a promessa do Senhor de devolver o cem por um aos que lhe entregam algo. Agora, depois de vários anos vivendo esta vocação de numerário no Opus Dei, o Senhor passou outra vez diante de mim para me chamar ao sacerdócio. Ele não pára de me surpreender...
E, do seu ponto de vista, o que ela significa?
Quando penso na grandeza e no peso da vocação sacerdotal, me reconforta pensar que é Deus quem me está chamando por esse caminho e, por isso, Ele tem a responsabilidade de não me deixar sozinho, mas de dar-me toda a ajuda de que necessitarei.
Como sua família encarou essa sua decisão?
Eles ficaram bastante contentes. Nestes anos, nem sempre foi fácil viver a necessária separação física: a minha mãe reclamava um pouco... Mas penso que Deus levará em conta também esse pequeno sacrifício, que me ajudou a sentir-me mais unido aos meus pais e a todos os meus familiares. Os meus pais e alguns outros familiares virão à minha ordenação presbiteral em Roma. Para a ordenação diaconal, veio só o meu pai. Praticamente, a primeira coisa que fiz sendo diácono foi dar-lhe a bênção de viagem depois da ordenação, pois ele pegava o avião no dia seguinte. Depois ele me contou que, chegando ao Brasil, eles atravessaram um pouco de turbulência, mas ele esteve muito tranqüilo, graças à bênção que tinha recebido do próprio filho...
O Rio de Janeiro, de onde você provém, conjuga grandes belezas naturais com um sério desequilíbrio social. Você pensa que a doutrina católica pode colaborar de alguma forma para consertar essa situação?
Estes anos vivendo na Europa representaram também uma oportunidade para pensar na minha cidade. Não só para ter saudades, mas também para imaginar como ela seria mais bonita se não houvesse tanta pobreza e miséria. Se a doutrina católica pode ajudar? Claro que sim! E talvez mais do que as pessoas pensam em geral. Na minha opinião, é muito importante que cada cidadão entenda a relevância das suas atitudes pessoais para a construção de um país melhor.
Muitas pessoas acham um desperdício que alguém de boa formação profissional, facilidade para falar várias línguas e com habilidade artísticas se dedique integralmente ao sacerdócio. O que diria a essas pessoas?
Eu não sei se você se refere a mim, pois, sinceramente, não me descreveria dessa forma, ainda que tenha que admitir que recebi muitos talentos (começando pela minha família) dos quais terei que prestar contas a Deus. Lembro-me agora de um diálogo com um amigo da faculdade, na PUC-Rio. Ele me comentou que ia aos sábados pela manhã dar aulas em um cursinho pré-vestibular gratuito que organizavam na Rocinha. Eu perguntei-lhe, um pouco surpreso: "Sábado de manhã?". Ao que ele me respondeu: "É, não posso deixar de ir porque é bom demais". Acho que essa é uma boa descrição do que acontece quando se entrega a Deus o melhor: o que recebemos é muito mais do que damos. Por isso, o único que posso dizer é: vale a pena.
Você acha que a computação pode continuar a ser um bom instrumento, agora que você se ordenará sacerdote? Ou você pensa em deixar a tarefa de programação completamente de lado? Olha, eu venho de uma família de engenheiros e sempre tive muito orgulho de haver estudado engenharia de computação. Mesmo nestes anos de estudos de teologia, procurei não perder completamente o contato com estes meu estudos anteriores, também porque me agradam muito. Mas agora eu quero ser um sacerdote 100%. Deixar de lado os bits para trabalhar com almas. Penso que a tarefa que me aguarda como sacerdote exigirá de mim todas as minhas melhores energias, e o único que quero é empregá-las completamente nesse serviço. De qualquer modo, todos estamos um pouco "escravizados" pelos computadores. Assim, penso que não faltarão oportunidades para empregar minha formação em informática. Tenho em mente também a recomendação que São Josemaria Escrivá costumava dar aos sacerdotes do Opus Dei, de não perder a mentalidade profissional de sua formação prévia ao sacerdócio.
O Papa esteve no Brasil em maio. Você gostaria de transmitir alguma mensagem à juventude brasileira por essa ocasião?
Foi uma grande alegria a notícia da eleição de Bento XVI, pois é um dos grandes heróis das últimas décadas na defesa da fé. Um dos homens mais inteligentes do nosso tempo, que possui ao mesmo tempo, uma capacidade de explicar-se de modo muito vivo e simples. Para o doutorado eu tive a sorte de ler vários dos seus escritos e fiquei bastante impressionado. De todos os modos, ainda que não tivesse todas essas qualidades (o próprio São Pedro, primeiro Papa e meu padroeiro, não tinha qualquer formação filosófica), ele merece toda a nossa veneração, por ser o representante de Cristo na terra.
A opção pelo sacerdócio vai fazer com que você aposente definitivamente o violão? E a sua paixão por "O Senhor dos Anéis"? Você acha que essas coisas podem ajudar o seu trabalho como sacerdote?
O violão é sempre uma boa maneira de alegrar o ambiente e descansar. Para isso não pretendo aposentá-lo. Sobre "O Senhor dos Anéis", eu li recentemente uma idéia de Chesterton que me fez pensar no valor da fantasia. Ele afirma que gostamos dos contos fantásticos porque estes tocam a nossa capacidade de admirar-nos diante da realidade.
A América Latina é, muitas vezes, apontada como a esperança da Igreja. Sua vivência na Europa durante esses anos de preparação para o sacerdócio deu-lhe novas luzes sobre esse tema?
A Europa me fascinou, mas tenho que dizer que nunca me senti tão brasileiro quanto nesses anos. Mas, ao mesmo tempo, aqui se convive em muitos aspectos com os efeitos de um laicismo mais arraigado, que deixa uma triste marca na sociedade. Penso, por exemplo, no clima de terror em que vivem muitos idosos de países onde a eutanásia é uma prática difundida. Em Roma, conheci uma senhora belga que tinha ido morar lá porque temia que, por qualquer motivo que a levassem a um hospital, os seus filhos não hesitariam em autorizar a eutanásia. Na América latina, o processo de secularização também vai fazendo os seus estragos. No entanto, na minha opinião, ainda conservamos melhor o espírito cristão. Isso me faz pensar na importância não só de manter, mas também de fomentar, esses valores.
Entrevista publicada pelo Jornal "O Testemunho da Fé" (de 03 a 09 de junho de 2007).
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