'Nasci no paraíso.
Pelo menos era assim que me sentia a respeito da minha terra natal durante meus primeiros anos de vida.
Ruanda é um país pequenino, engastado como uma jóia na África Central. Sua beleza é tanta que é impossível não ver a mão de Deus no ondular de suas luxuriantes colinas, montanhas envoltas em névoa, vales verdejantes e lagos que cintilam. A brisa suave que desce das montanhas, por entre florestas de pinheiros e cedros, traz consigo o doce perfume dos lírios e dos crisântemos. E o clima é tão ameno o ano todo que os alemães, chegados no final da década de 1830, chamavam-na "terra da eterna primavera".
Durante a infância, jamais me falaram sobre a existência das correntes do mal que um dia dariam origem ao holocausto que inundou meu país num banho de sangue. A menina que eu era só conhecia do mundo a encantadora paisagem ao seu redor, a gentileza dos vizinhos e o amor profundo de meus pais e irmãos. Em nossa casa, racismo e preconceito eram totalmente desconhecidos. Eu não tinha consciência de que as pessoas pertenciam a tribos e raças diferentes e, até entrar para a escola, jamais havia escutado palavras como tútsi ou hútu.' (Sobrevivi para Contar - Immaculée Ilibagiza, editora Fontanar)
Immaculée escapou do massacre de 1994, em Ruanda, escondida com outras sete moças num banheiro diminuto, durante três meses. A engenheira africana sobreviveu graças a sua fé, abandonou o sentimento de vingança e perdoou os assassinos de sua família, recomeçando a vida. Está visitando o Brasil, onde acaba de dar uma palestra emocionante no Teatro Oi Casagrande, no Leblon. O auditório lotado também conheceu hoje a Orquestra Filarmônica do Rio de Janeiro, aplaudidíssima. Fechando a noite, a querida bateria da Beija-Flor. Que noite!