quarta-feira, 5 de junho de 2019

Faoro e a Justiça Militar

Há dois dias postei a coluna de Fernanda Young no Globo, relevante para mim porque descrevia a gangorra emocional em que vivemos e, que ainda vivem, algumas pessoas que amo. Hoje o jornal traz artigo em que Élio Gaspari reflete sobre a Justiça Militar e a importância da transparência das informações, mencionando um tio muito querido e o pai de um amigo do coração. Como esse blog existe para facilitar meu acesso às lembranças significativas, nas várias vezes em que o cérebro real fraqueja, aqui vai mais uma publicação que não posso esquecer.

Antonio Carlos Muricy
Raymundo Faoro

Faoro e a Justiça Militar (Elio Gaspari)

"Em 1997, quando estava no forno a transferência dos processos de PMs para a Justiça Militar, Raymundo Faoro matou a questão com quatro palavras: “É um privilégio de impunidade”. Com seu senso de humor, acrescentou: “O presidente francês Georges Clemenceau dizia que a Justiça Militar está para a Justiça assim como a música militar para a música”. Clemenceau (1841-1919) era um mestre das palavras e chamavam-no de “O Tigre”. Passou o tempo, virou o século, e os militares ganharam o foro de sua Justiça.

O Ministério Público militar pediu o arquivamento do processo da Chacina do Salgueiro, ocorrida em 2017. Numa noite, oito pessoas foram mortas numa comunidade de São Gonçalo (RJ), e um sobrevivente diz que os tiros vieram de pessoas fardadas que estavam na mata. Esse cidadão prestou três depoimentos à polícia e ao MP estadual. A Procuradoria Militar não o chamou.

Noutro episódio, 11 cidadãos presos em agosto passado numa operação de combate ao tráfico de drogas na Penha disseram que foram torturados numa quartel do Exército. Sete deles vão responder por tentativa de homicídio contra os militares. Três dizem que em dezembro foram ameaçados no presídio em que estão trancados.

Há duas semanas, o Superior Tribunal Militar revogou a prisão dos nove militares que haviam sido presos por dispararem 83 tiros num carro que conduzia uma família, matando duas pessoas. Ele responderão ao processo em liberdade. Está entendido que atiraram porque achavam que no carro iam bandidos. (Houve um voto pela manutenção da prisão, outro para que continuasse preso o tenente que comandava a patrulha e dois para que o grupo cumprisse medidas cautelares.) Como disse o ministro-general Luis Carlos Gomes Mattos, “só a ação penal vai dizer o que aconteceu”: “Estamos julgando criminosos que saíram do quartel para dar tiros? Tenho certeza absoluta de que não foi assim.”Mesmo assim, deve-se ter certeza absoluta de que a patrulha tentou (e conseguiu) enganar seus comandantes por um dia, inventando uma cena de confronto.

Cada um desses três casos tem a sua especificidade, mas o conjunto sugere um padrão: a dificuldade da Justiça Militar de delimitar a linha que separa a compreensão da tolerância. A ação de um soldado que tenha disparado sua arma em Guadalupe difere daquela do tenente que comandava a patrulha e teria dado 77 tiros. Além disso, sempre sobrará a questão do uso de tropas em ações policiais, pois a corda acaba arrebentando nas mãos de um jovem oficial, tenente, capitão ou, no máximo, um major. Houve um tempo em que, apesar da advertência de juízes militares como Olympio Mourão Filho e Peri Bevilaqua, por diversos motivos, não se traçava a linha demarcatória e tolerava-se o intolerável.

Cada caso tinha sua especificidade, e assim a coisa foi, até que em 1971 um capitão descobriu uma boca de fumo num quartel de Barra Mansa. Supliciaram 11 soldados, matando quatro. Fingiu-se que os jovens haviam desertado, e acobertou-se o caso, até que entraram na cena o bispo Dom Waldyr Calheiros e dois chefes militares, Antônio Carlos Muricy e Valter Pires de Carvalho. Como disse Muricy a Pires: “O Exército não deve ter medo de que uma coisa dessas aconteça. Deve ter medo é de acobertar.” 

Um ano depois, o Exército admitiu os assassinatos e, em 1973, a Justiça Militar condenou o capitão a uma pena de 84 anos. Ele cumpriu onze e meio. O coronel que comandava o quartel ficou de fora. O tenente-coronel que o substituía nas férias e dirigiu o acobertamento teve uma pena de sete anos, reduzida para seis meses. Ele teria mandado cortar a cabeça de um dos mortos."

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Dias Malucos

Pensando nas pessoas amadas que passam a vida numa gangorra emocional, salvei essa coluna de Fernanda Young, publicada no jornal O Globo de hoje. Há dicas preciosas para os que são mais bipolares e todos nós outros, que lutamos para nos equilibrar no caminho do meio. A crônica faz ainda uma bela defesa da liberdade de expressão. Para ilustrá-la vai uma foto da homenagem tardia dos irlandeses ao escritor Oscar Wilde, ele mesmo perseguido por ter ousado ser quem era.  O memorial, concebido e executado pelo escultor inglês David Osborne, encontra-se em Merrion Square, em Dublin. O rosto da estátua sorri de um lado e tem os lábios repuxados para baixo do outro. 

Oscar Wilde em Merrion Square

Dias Malucos (Fernanda Young)

"Outro dia postei a foto de uma mulher fazendo sinal para um ônibus com o destino “Manicômio”. Uma piada comigo mesma. Mas uma seguidora se sentiu desrespeitada, dizendo que pessoas já sofreram demais, para que um termo como manicômio fosse usado com deboche. Ela foi educada, contudo, o que me fez pensar em sua reclamação.

Sofro, eu própria, com questões psíquicas — não é segredo para todos que tenham lido o que escrevo. E ter um senso de humor a respeito é uma das coisas que me salvam. Detesto ser esse poço de ansiedade, uns dias, para depois cair na mais profunda depressão. Não romantizo a minha agitação, nem justifico minha poesia pela dor que sinto, quando estou em crise. Sei que poderia criar, como crio, sem ter que passar por isso.

Ter disciplina é um excelente antídoto — estabelecer limites, seguir horários, projetar uma intenção e ser persistente. Humildade é outro exercício que me ajuda; ter a modéstia de notar quando seu tom está acima ou abaixo do necessário. Ser honesto com as pessoas e assumir que anda “meio alterado”, durante esses desalinhos de ânimos. Eu digo logo: “Estou com meus sensores super sensíveis”. Ou quando não quero dar explicações: “Estou com gripe de angústia”.

Ginástica é a minha melhor terapia, mesmo que, neste momento, eu esteja para lá de relaxada. É que ando na fase das insônias. Isso me custa as manhãs; mas logo irei pôr ordem nessa bagunça. Sim, dá trabalho. Principalmente quando vivemos no hospício chamado Brasil, expostos a doses cavalares de notícias absurdamente chocantes. Até quem não é nada como eu, se parar para pensar, deve estar se sentindo meio bipolar, não? Precisa estar muito medicado, ou muito iludido, para não perceber que estão querendo nos enlouquecer.

E para a gentil seguidora que criticou a minha piada, respondo: não posso me submeter a uma lista de palavras que estão agora proibidas, pois aí sim ficaria doida. Tenho minha loucura, mas sou livre. Ou talvez o contrário. Enfim, qualquer que seja o caso, recomendo fortemente o uso da liberdade."

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