Minhas Baianas
Minha primeira baiana veio da Serrinha e não era da Umbanda, mas da Igreja Batista. Chamava-se Marcelina Pereira, moradora de Anchieta e vascaína doente. Estava sempre ligada no radinho de pilha, pois sua fé não permitia idas à praia ou assistir aos jogos no Maracanã. Graças a seu entusiasmo pelo time de São Januário, fui torcedora do Vasco, solidária enquanto Bellini foi capitão. Nós a chamávamos de Dilô e ficou conosco durante 27 anos, administrando a cozinha, bronqueando quando necessário, sempre zelosa, com muita sapiência e mais autoridade até do que nossa mãe.
Aliás, seu relacionamento com mamãe era controvertido. Respeitoso, à distância, com uns toques de implicância. Seus favoritos eram papai e meu irmão Alberto. “Esse menino vai ser presidente!” Lolô adorava política e essa foi a segunda herança que me legou. Prescrevia muita cautela em relação aos candidatos. “Não importam as palavras dos homens, preste atenção no que eles fizeram, na sua história.” Procuro seguir seu conselho até hoje.
Trabalhou desde cedo em casa de família e aprendeu a cozinhar bem menina, subindo num caixote para alcançar o fogão. Talvez para brincar comigo, dizia que aprendera a fazer vatapá ouvindo a música de Dorival Caymmi. Analfabeta, só sabia escrever o nome. Mamãe falhou na tentativa de ensiná-la a ler. Provavelmente um problema emocional, como aceitar ensinamento da concorrência?
A segunda baiana chegou anos mais tarde. Esperei por ela cinco meses e meio, enquanto se procurava substituta à altura na casa onde trabalhava. Joselita é de São José de Alcobaça, mais velha de sete irmãos e até os doze anos buscava água no rio. Também não é de samba, mas uma rainha dos sorrisos, que tornou a cozinha nosso lugar favorito. Antes da pandemia, às 10 da manhã, tínhamos um encontro marcado para o cafezinho, junto com as mulheres que estivessem em casa pois, a essa hora, os homens já estavam na rua. Até Neela, a gata balinesa de focinho malhado, ali comparecia e ficava, empoleirada no banco alto, acompanhando as conversas com os olhos semicerrados. Isso é felicidade - e que assim seja, quando esse tempo de espera passar.
Vatapá - Danilo Caymmi
Quem quiser vatapá, ô
Que procure fazer
Primeiro o fubá
Depois o dendê
Procure uma nêga baiana, ô
Que saiba mexer
Que saiba mexer
Que saiba mexer
Bota castanha de caju
Um bocadinho mais
Pimenta malagueta
Um bocadinho mais
Amendoim, camarão, rala um coco
Na hora de machucar
Sal com gengibre e cebola, iaiá
Na hora de temperar
Não para de mexer, ô
Que é pra não embolar
Panela no fogo
Não deixa queimar
Com qualquer dez mil réis e uma nêga ô
Se faz um vatapá
Se faz um vatapá
Que bom vatapá
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