domingo, 1 de março de 2015

450 anos de Fundação do Rio de Janeiro

Parabéns, Cidade Maravilhosa!

Eu tinha 13 anos nas comemorações pelos 4 séculos da fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Carlos Frederico Werneck de Lacerda, governador do Estado da Guanabara, tinha feito muito pelo Rio, havia o que comemorar. Mas qual a programação da festa? Não tenho ideia, só lembro que caiu do céu uma chuva de quadradinhos de papel laminado prateado, com o logotipo do IV Centenário em azul.

papel laminado IV Centenário  do Rio de Janeiro

Festejando agora seus 450 anos, nossa cidade continua linda e acolhedora, embora ainda violenta para quem vive ou está só de passagem por aqui. Criancinhas vítimas de balas perdidas, turista alemão assassinado, falta de água, ameaça de racionamento de energia. Os esforços de embelezamento, as obras do metrô, e outras iniciativas interessantes dos governos atuais, não apagam a sensação ruim com notícias tão preocupantes. Mas aí vem uma escritora apaixonada pelo Rio e levanta a moral dos cariocas com um artigo comovente que conforta nossa alma ferida. 

A águia redentora

Rosiska Darcy de Oliveira

O que melhor atesta a grandeza de uma pessoa? O senso comum acredita que seja a capacidade de enfrentar a adversidade. A coragem é sempre valorizada. Outra hipótese menos explorada seria que a grandeza se mostra na capacidade de viver a alegria. A alegria é suspeita de leviandade. Pode ser que essas duas versões às vezes se confundam e essa hipótese explicaria o destino da cidade em que, por sorte, nasci.

Amanhã o Rio completa 450 anos. Nessa já longa vida vem testemunhando uma história em que se misturam a dor e a alegria. Não é preciso na véspera do aniversário fazer o inventário das misérias que todos conhecemos. Nenhuma delas é aqui esquecida ou minimizada. “E, no entanto, é preciso cantar, mais que nunca é preciso cantar e alegrar a cidade”. Impossível festejar o aniversário do Rio sem Vinicius. E vamos concordar com ele que “é melhor ser alegre que ser triste, a alegria é a melhor coisa que existe”.

Hoje, louvando o que bem merece, é a admirável capacidade do povo carioca de ser alegre que invade o texto.

As multidões que no carnaval tomam as ruas, vindas de todo canto, e se constituem em blocos onde milhões de pessoas se divertem de graça, incansáveis, durante uma semana, são a prova dessa alegria, em que há também “um bocado de tristeza”. E de uma energia que ninguém sabe de onde vem e que os dissabores não conseguem sufocar. Em tempos de fundamentalismos delirantes, os blocos são um discurso vivo contra todos os fundamentalismos, são eles que, pela irreverência, anunciam os pecados da cidade e afirmam, pelo simples fato de existirem, sua maior virtude, a tolerância.

O carnaval é uma festa virtuosa ao contrário do que dizem os que acreditam deter o monopólio da virtude. Se o carnaval causa problemas, e causa muitos, de barulho, mobilidade, limpeza, segurança, todas as soluções logísticas são urgentes e bem-vindas, exceto estancar essa alegria das ruas que veio para ficar.

Este ano, do fundo da Sapucaí surgiu uma águia branca, redentora, um Cristo alado pousado no asfalto, que atravessou a avenida fundindo no simbolismo o carnaval e o próprio Rio. Águia com vocação de pomba da paz, abrindo e fechando as asas em movimento protetor. Águia branca redentora, livrai-nos da ganância que prostitui o carnaval.

Abria caminho para ela um tapete de velas que, na cabeça das baianas, comemoravam o aniversário da cidade. Cada carioca deve agradecer à Portela esse momento de graça que entra para a história da cidade como uma das mais belas evocações do Rio produzidas pela arte popular, emblema do carnaval dos 450 anos.

Do que nos redime esse Cristo alado, surrealista, inspirado em Magritte? Do vício de só olhar para nossos defeitos e carências. Sofremos dos infernos de cada dia que afligem as grandes metrópoles, da falta d’água ao trânsito impossível, sem falar no mais sinistro, a violência. De mediocridade, não. De falta de criatividade, não sofremos.

Não se menospreze a alegria dos cariocas como um mito ou uma inútil peça de folclore. É um traço cultural, que melhor se mostra no carnaval, mas está presente o ano inteiro, recurso de sobrevivência precioso na luta contra um cotidiano áspero. Não fosse assim não teriam as escolas de samba nascido nos bairros mais pobres da Zona Norte nem os grandes blocos congregado os que precisam da rua, que é de todos, para brincar.

Qualidade de vida é um conceito difícil de definir e medir. Espalhadas pelo mundo há cidades afluentes onde tudo funciona bem, que levam sempre os primeiros lugares na escala de melhor qualidade de vida. Nem sempre são cidades alegres. A alegria essa palavra que, como a liberdade, o sonho humano alimenta, que também ninguém define e não há quem não entenda (perdoe-me a memória de Cecilia Meirelles pela paródia de pé quebrado), não entra em consideração nessas escolhas.

Não só alegre, o Rio é uma cidade inteligente. Inventa, não copia. Recebe todos, brasileiros ou não, para fazê-los seus. Inimitável, é ela a mãe nossa de cada dia. Rebelde, vive os paroxismos dos inconformados, diaba solta nas suas próprias ruas, nas vielas, testemunha e herdeira de descaminhos, erros e desgovernos. E se pergunta, desolada, por que não foi mais feliz.

Compõe então suas melhores canções, que exprimem a vocação de poesia que, para além do bem e do mal, emerge do espelho. Do espelho do mar. O mar que insiste em chamá-la de linda, em amá-la dia e noite, como se fosse perfeita. O mar que a consola, embala, perdoa. O mar que é como todos nós, seus filhos devotos e amantes incondicionais.

(extraído do blog do Noblat)


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