No Theatro Municipal, um Brasil Comovente
Por Leo Aversa — Rio de Janeiro
"Peço licença para dividir aqui uma experiência marcante que tive no sábado passado. Do jeito que estão as coisas, talvez o leitor imagine que eu vá falar de um assalto, de um bate-boca de rede social ou denunciar algum novo golpe na internet. Não, felizmente não.
Foi no Theatro Municipal, onde fui assistir a um concerto com música de Villa-Lobos com projeção das fotografias de Sebastião Salgado na Amazônia. Um concerto em homenagem a Bruno Pereira e Dom Phillips, que faria aniversário no dia. Foi algo tão encantador que estou emocionado até agora, quando escrevo esta coluna.
Salgado, mineiro, é um dos maiores fotógrafos do mundo. Talvez o maior. Suas imagens, magníficas, mostram não só a grandiosidade da natureza que enquadra, mas, principalmente, revelam a dignidade do ser humano ao redor de toda a Terra. Há nelas uma empatia e um respeito que nos devolvem a fé no que somos. Do carioca Villa-Lobos, não há muito mais o que dizer, simplesmente representa a música clássica brasileira. No sábado a obra escolhida foi “Floresta do Amazonas”. Deslumbrante.
Na plateia, estava Fernanda Montenegro, também carioca, que além de ser a grande dama do teatro brasileiro, tornou-se, aos 92 anos, no meio de tanta iniquidade e horror, o símbolo da cultura desta nação, nossa reserva moral em tempos tão sombrios.
Não foi pouco.
Por quase uma hora a plateia foi apresentada ao Brasil mais profundo, ao país original. Ao som de Villa-Lobos, descobrimos nas imagens do Salgado a grandiosidade dos povos e paisagens que estão aqui desde sempre, na raiz desta nação. Foi um deslumbramento coletivo com o nosso país.
Um país que está sendo dizimado pela ignorância e pela truculência, para o lucro de alguns poucos. Os que, ao queimar a nossa floresta, destroem o nosso futuro, espalhando ódio, preconceito e rancor
Não, leitor, eles não ficarão.
Por quase uma hora fomos lembramos que outro país é possível.
No fim, diante de tanto deslumbre e beleza, as palmas, os gritos, as palavras de ordem não foram suficientes. O público precisava de mais, precisava de algo que estivesse no fundo da alma de todos. Precisava de conexão, identidade e esperança.
O público, espontaneamente, começou a cantar o Hino Nacional. De uma forma tão visceral, tão pungente, que as lágrimas se espalharam pela plateia. Não foi o hino burocrático dos pátios escolares ou o belicoso dos estádios de futebol. Foi algo mais profundo, genuíno, que nos devolveu uma identidade e um orgulho há muito esquecidos. Ao cantarmos junto à Dona Fernanda, percebemos que havíamos acabado de sentir quem somos, de ver de onde viemos, saber para onde vamos e ter certeza com quem devemos seguir.
Nessa noite inesquecível, que aqui divido com o leitor, lembramos — graças a Sebastião Salgado e Heitor Villa-Lobos — que o Brasil pode ser mais que nos acostumamos a ver nas manchetes dos jornais, pode ser maior que uma onda de ódio e estupidez.